Trump pode mudar apoio dos EUA à Ucrânia na guerra
Eleito sugere redução de auxílio militar e pressão por trégua com Rússia.
A recente reeleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos levanta incertezas sobre o futuro do apoio americano à Ucrânia, que há mais de dois anos resiste à invasão russa. Ao longo de sua campanha, Trump e seu vice-presidente, JD Vance, deixaram claro que pretendem revisar o compromisso de Washington com Kiev, sinalizando que o suporte financeiro e militar poderia ser reduzido. Essa possível mudança ocorre em um momento delicado do conflito, no qual as forças ucranianas enfrentam desafios crescentes no leste do país.
Campanha de Trump sinaliza mudança na postura dos EUA
Durante a campanha, Trump adotou uma postura crítica sobre o envolvimento contínuo dos EUA no conflito ucraniano. Ele sugeriu que os Estados Unidos poderiam pressionar a Ucrânia a buscar um cessar-fogo ou até aceitar uma solução que, segundo especialistas, seria desconfortável para Kiev. Para o presidente reeleito, o prolongamento da guerra na Europa Oriental não é do interesse direto dos EUA, e uma intervenção mais limitada seria preferível.
Bruno Reis, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), explica que a lógica do governo Trump parte de uma visão mais pragmática e econômica da política externa americana.
“Para Trump, manter uma assistência de larga escala a outro país, enquanto o foco interno é a prioridade, é um custo que ele busca evitar. Essa visão impacta diretamente a Ucrânia, que depende massivamente do apoio americano para conter o avanço russo,” analisa Reis.
Impacto militar e diplomático na Ucrânia
A possível retirada do suporte militar por parte dos EUA ocorre em um momento crítico para a Ucrânia. As forças russas vêm consolidando posições na região de Donbas, um território estratégico no leste ucraniano que o presidente russo, Vladimir Putin, busca capturar completamente. Oleksandr Syrskyi, comandante-chefe da Ucrânia, afirmou recentemente que a situação na linha de frente continua difícil e que as forças ucranianas precisam de reforços constantes para se manterem operacionais.
Além disso, a Rússia tem reforçado sua força militar com apoio da Coreia do Norte. Autoridades americanas estimam que cerca de 10.000 soldados norte-coreanos já estão na região russa de Kursk e que podem entrar em combate em breve, ampliando o poderio militar de Moscou e aumentando a pressão sobre as tropas ucranianas.
Para Kiev, a redução do apoio dos EUA pode comprometer a defesa das áreas já conquistadas e dificultar a recuperação de territórios ocupados. Atualmente, o apoio financeiro americano é essencial para que a Ucrânia mantenha seus recursos e continue a resistir militarmente, e qualquer recuo dos EUA poderia desequilibrar a guerra em favor de Moscou.
Possível trégua pressionada pelos EUA
Outro ponto de tensão na relação entre EUA e Ucrânia sob uma nova gestão Trump é a possível pressão para que Kiev aceite um acordo de paz desfavorável. Ao longo de sua campanha, Trump sugeriu que os EUA poderiam condicionar o auxílio à disposição da Ucrânia de negociar uma trégua, mesmo que isso signifique concessões territoriais. Especialistas consideram essa hipótese preocupante, já que uma negociação nessas condições pode resultar em uma paz precária e na consolidação do controle russo em partes do leste ucraniano.
Para Ricardo Mendes, especialista em política internacional e colaborador do Instituto Brasileiro de Estudos de Guerra e Paz, Trump enxerga a guerra como um conflito de longa duração que não serve aos interesses americanos.
“Trump tem uma visão transacional, e seu governo poderia exigir que a Ucrânia negocie com a Rússia para estabilizar o cenário europeu. Isso pode significar que, se Kiev não aceitar essa saída, o auxílio dos EUA pode ser reduzido ainda mais”, avalia Mendes.
Alianças internacionais e o posicionamento da Europa
Se os EUA efetivamente diminuírem o apoio à Ucrânia, a pressão sobre as nações europeias para assumir um papel mais ativo na defesa de Kiev deverá aumentar. No entanto, o poderio militar e financeiro de grande parte dos países europeus, como França e Alemanha, é inferior ao dos EUA, o que dificultaria o nível de auxílio equivalente.
A União Europeia já é um dos principais apoiadores da Ucrânia, mas uma mudança na postura americana pode exigir que o bloco revise sua política de segurança e amplie seu papel no fornecimento de ajuda militar e humanitária. No entanto, a falta de uma estrutura militar robusta na Europa é um desafio, e a dependência da OTAN e, principalmente, do suporte logístico dos EUA, torna-se evidente.
Além disso, especialistas acreditam que a postura mais reticente dos EUA em relação à guerra pode dar margem para que outros países, como China e Índia, influenciem o cenário diplomático.
“A China pode usar o vazio deixado pelos EUA para aumentar sua influência, já que o país busca expandir sua presença em questões internacionais. Esse vácuo pode significar um deslocamento de poder no cenário da guerra ucraniana”, afirma Mendes.
Consequências para o Brasil
A mudança de postura dos EUA também pode ter impactos indiretos para o Brasil. A posição do governo brasileiro, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, tem sido cautelosa em relação à guerra, adotando um tom de neutralidade. Entretanto, a redução do papel americano no conflito pode tornar a diplomacia global mais instável, afetando questões comerciais e energéticas que impactam diretamente o Brasil.
Para Marcos Antunes, professor de Geopolítica da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o enfraquecimento do apoio americano à Ucrânia pode abrir espaço para que países emergentes, incluindo o Brasil, atuem em fóruns internacionais na busca por soluções pacíficas.
“O Brasil tem um histórico de defesa do multilateralismo e pode ganhar visibilidade em fóruns como a ONU e o G20, posicionando-se como um mediador de diálogo entre as partes”, analisa Antunes.
No entanto, para Antunes, essa posição também pode ser arriscada: “Se o Brasil se destacar demais nesse cenário, pode gerar tensão com os EUA e a Europa, que poderiam enxergar o país como um facilitador indireto para a Rússia.”
Expectativas e desafios para o futuro
A eventual modificação na política americana em relação à guerra na Ucrânia coloca tanto os aliados ocidentais quanto os adversários da Rússia em um cenário de incerteza. Caso Trump concretize sua promessa de reduzir o envolvimento dos EUA, a guerra pode entrar em uma fase de maior instabilidade, com consequências imprevisíveis para a Ucrânia e para a segurança global.
Para Kiev, a mudança representa um teste crítico à sua capacidade de obter apoio suficiente para sustentar sua resistência contra Moscou. Enquanto isso, os países europeus e parceiros estratégicos, como o Brasil, deverão avaliar como agir diante de uma ordem internacional mais complexa e incerta.