Retorno de Trump pode redefinir relações EUA-Brasil
Especialistas avaliam reflexos da diplomacia trumpista para o Brasil.
A possível eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, após sua derrota em 2020, levanta expectativas sobre uma mudança significativa na diplomacia americana, com potenciais repercussões para o Brasil. Especialistas afirmam que uma eventual nova gestão de Trump deve retomar uma abordagem transacional e focada em protecionismo, especialmente em relação a importações e políticas climáticas. Esse novo cenário pode afetar setores estratégicos do Brasil, como o energético e o de exportação de matérias-primas.
Segundo Bruna Santos, diretora do Brazil Institute no Wilson Center, um think tank americano de políticas internacionais, a lógica transacional de Trump, que valoriza negociações pontuais sobre relações de longo prazo, deve ser o principal elemento a impactar a relação entre as duas nações.
“Na tradição diplomática brasileira, essa lógica transacional é bem nova. O Brasil precisará entender o que quer dos EUA e recalibrar sua rota de relações,” afirma Santos, destacando que o Brasil terá que adaptar-se a um cenário de negociações rápidas e condicionais.
Implicações comerciais: tarifas e protecionismo
Entre os efeitos mais diretos de uma nova gestão Trump, Bruna Santos cita a possibilidade de uma “tarifa de importação universal” que impactaria produtos brasileiros. Trump já manifestou interesse em impor medidas tarifárias globais, com foco principal na China, mas que também afetariam aliados. Para o Brasil, isso representa um desafio para produtos como ferro, aço e biocombustíveis, que podem enfrentar barreiras comerciais nos EUA.
Essa abordagem protecionista, no entanto, não é totalmente negativa. Santos observa que em alguns mercados, especialmente onde o Brasil compete diretamente com a China, essa política poderia abrir novas oportunidades para produtos brasileiros, devido às restrições impostas a produtos chineses. “O Brasil pode se beneficiar em certos setores, mas os efeitos negativos serão sentidos em áreas como energia e commodities”, explica.
Com uma possível imposição de tarifas e restrições adicionais, empresas brasileiras que exportam para os EUA precisarão repensar suas estratégias, adaptando-se a novas regras de importação e a um ambiente comercial menos aberto.
Diplomacia climática e o impacto do Acordo de Paris
Outro ponto de divergência é a política ambiental. Durante o governo Biden, os EUA implementaram um ambicioso plano de transição energética, que expandiu investimentos em energia renovável e incentivou a produção de veículos elétricos. Trump, porém, já deixou claro que não pretende priorizar a agenda verde e pode até reverter a adesão dos EUA ao Acordo de Paris, um pacto internacional voltado à redução de emissões de gases poluentes.
Essa mudança deve gerar tensões com o governo brasileiro, especialmente com a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, que busca posicionar o Brasil como líder em sustentabilidade e diplomacia ambiental.
“Trump deverá deixar de lado compromissos climáticos internacionais, o que contrasta com a diplomacia ambiental do Brasil. A política de transição energética será um ponto de desacordo entre Lula e Trump”, avalia Santos.
Lula e Biden, com visões alinhadas em relação ao clima e à sustentabilidade, estabeleceram bases para cooperação em eventos internacionais, como o G20 e a COP. A volta de Trump, no entanto, pode interromper essa convergência e exigir que o Brasil adapte sua postura em fóruns internacionais.
Divergências políticas e o desafio das relações bilaterais
Além das divergências políticas e econômicas, existem questões pessoais e ideológicas entre as administrações de Lula e Trump. Durante a campanha americana, Lula apoiou abertamente a vice-presidente Kamala Harris, enquanto Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, acompanhou a apuração dos votos ao lado de Trump na Flórida. Esse cenário aponta para uma relação mais pragmática e menos amistosa entre o Itamaraty e a Casa Branca, em caso de retorno de Trump.
Bruna Santos acredita que, embora as relações institucionais permaneçam cordiais, o Itamaraty terá que se esforçar para manter as interações entre os países sem serem afetadas por diferenças ideológicas.
“Antecipamos uma relação onde o Itamaraty buscará preservar o diálogo bilateral, independentemente das divergências políticas. A missão será manter a estabilidade no relacionamento,” diz Santos, destacando o profissionalismo dos diplomatas brasileiros para evitar que as relações sejam contaminadas pelas diferenças.
Perspectivas para o Brasil no cenário internacional
Uma eventual nova gestão de Trump exigirá que o Brasil adote uma posição mais autônoma e estratégica em seus relacionamentos internacionais, principalmente com a América Latina, Europa e Ásia. Além disso, para fortalecer suas exportações, o Brasil poderá buscar novas parcerias comerciais, reduzindo a dependência dos Estados Unidos em setores vulneráveis ao protecionismo americano.
Santos acredita que o Brasil precisará “recalibrar” suas políticas e definir claramente suas prioridades no comércio e na política ambiental, adotando uma postura pragmática diante das mudanças na Casa Branca.
“As relações comerciais precisarão de uma abordagem mais cuidadosa, especialmente em setores estratégicos como a exportação de commodities. O Brasil precisa saber o que quer dos EUA e negociar com inteligência”, conclui Santos.
Cenário diplomático
A relação Brasil-EUA sob uma eventual presidência de Trump apresenta desafios, mas também oportunidades para a diplomacia brasileira. A postura transacional de Trump pode abrir espaços para acordos comerciais específicos, mas o Brasil precisará definir e proteger seus interesses estratégicos em áreas como clima, comércio e segurança energética.
Enquanto a política externa de Lula enfatiza cooperação e sustentabilidade, a diplomacia pragmática será essencial para enfrentar a nova fase das relações com os EUA.